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Jogo de luta ou luta a sério? Como distinguir para decidir?
Setembro, 2011
Amália Rebolo Marques - Cadernos de Educação de Infância
APEI - Assoc. de Profissionais de Educação de Infância

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  Alguns professores e educadores ficam surpreendidos com a capacidade das crianças para passarem os tempos de recreio escolar em actividade física contínua, como se a sua capacidade energética fosse inesgotável; ficam ainda mais surpreendidos porque para algumas crianças estes tempos servem apenas para lutar com os colegas, lutas estas que os adultos procuram travar por as considerarem perigosas, porque desconhecem exactamente o que se passa e apenas as crianças os podem informar se a luta era a brincar ou se estavam realmente zangados.

  Quando as crianças, espantadas pelas interrupções dos adultos, os informam acerca do seu jogo, ficam surpreendidas com as reacções dos adultos, que parecem não acreditar nas suas histórias, fazem recomendações, falam de acidentes e de acontecimentos mais ou menos graves. As crianças parecem ter prazer e necessidade deste tipo de jogos, o que coloca dúvidas aos educadores, professores ou outros adultos sobre como agir.

  Claro que algumas situações de confronto físico são lutas a sério e é bom que um adulto possa intervir evitando acidentes. No entanto, é muito frequente o adulto ouvir reclamações de quem estava apenas a divertir-se. Este é um tipo de erro que podemos considerar positivo. Noutras ocasiões, o adulto considera como jogo algo que é uma luta a sério e pode deixar que aconteçam situações mais ou menos graves. Este é um erro que podemos considerar negativo. É então preferível errar por se interromper uma brincadeira a errar por se deixar continuar um conflito sério.

  Para evitar erros, podemos aprender a olhar para as crianças em confronto de outra forma? Como podemos, só por observação, perceber exactamente o que se passa?

  A definição de jogo (play)

  Rubin et al. (1983, p. 698) referem-se ao jogo como uma "disposição comportamental que ocorre em contextos que se podem descrever e reproduzir manifestando-se através de um conjunto de comportamentos observáveis".

  Bateson (2005) refere-se ao jogo como algo que as crianças e os animais jovens fazem, mas a que os adultos não dão importância nem percebem o sentido, e também como um mecanismo eficaz para facilitar a inovação e encorajar a criatividade que implica fazer coisas novas sem necessidade de justificação. O jogo é o meio utilizado pela criança para explorar, influenciar e controlar o seu envolvimento físico e social, permitindo a descoberta do Mundo (Frost, 1991; Landreth, 1993; Pessanha, 1995; Zoels, 1996).

  Para Landreth (1993), o jogo é a linguagem das crianças e por vezes os brinquedos são as palavras. Chateau (1979) considera o jogo resultado da relação da criança com o seu meio, e afirma: ":todo o jogo provém de actividades elementares que se reúnem num comportamento mais ou menos complexo" (p. 220). McCune (1998) destaca a "intrusão" da realidade no jogo, afirmando que, deste modo, jogo e aprendizagem são sistemas mutuamente suportados nas actividades escolhidas livremente pela criança.

  Pelo movimento (actividade física) a criança interage com o seu mundo para o conhecer, sendo difícil distinguir as actividades físicas que se desenvolvem para aprender daquelas que são realizadas apenas por brincadeira. Frequentemente a actividade da criança é uma mistura da curiosidade, ou da investigação de algo, com o prazer de uma nova realização. Neto (1997) refere-se ao jogo em situações não formais, como "o processo de dar liberdade de a criança exprimir a sua motivação intrínseca e a necessidade de explorar o seu envolvimento físico e social sem constrangimentos".

  O jogo das crianças tem frequentemente uma componente de vigor físico e pode ser chamado jogo de actividade física, jogo locomotor ou jogo de exercício, e muita da actividade física da criança pode ser vista como jogo, porque não é controlada pelos adultos e as crianças parecem divertir-se sem procurar um determinado fim (Pellegrini & Smith,1998).

  A actividade motora é um dos aspectos menos estudados do jogo, preocupados que estiveram os investigadores com o jogo dramático e o jogo simbólico no desenvolvimento cognitivo das crianças.

  Byers (1998) considera que são duas as razões pelas quais não tem sido estudado o jogo de actividade física:
  1) os humanos como criaturas cognitivas têm um especial fascínio pelo estudo da cognição;
  2) no jogo de actividade física as crianças melhoram a forma física; assim é facilmente explicável como sendo a forma de as crianças melhorarem a sua condição física.

  Jogo de actividade física

  Este tipo de actividade é agradável e as crianças estão mais preocupadas com os meios do que com os fins, parece mesmo não ter qualquer objectivo; pode envolver actividade simbólica e jogos com regras. Pode ser uma actividade social ou solitária que se distingue pelo contexto de diversão combinado com actividade física moderada a vigorosa, como, por exemplo, correr, trepar e lutar a brincar. De acordo com o desenvolvimento da criança, são consideradas no jogo de actividade física três fases consecutivas que apresentam picos de maior frequência relacionados com a disponibilidade motora e o relacionamento social da criança.

  Estereotipia rítmica: fase caracterizada por movimentos grosseiros de pontapear e balancear aparentemente sem objectivo, cuja duração aumenta até cerca dos 6 meses de idade, momento a partir do qual começa a diminuir, quase desaparecendo a partir do 12 meses. Algumas interacções familiares fornecem à criança outras experiências para jogo de actividade física como, por exemplo, balançar no colo, atirar ao ar, jogar às lutas.

  Jogo de exercício: é caracterizado por movimentos locomotores grosseiros realizados com grande vigor físico no contexto do jogo, sendo observável a partir do segundo ano e até cerca dos 6 anos. De forma solitária ou em interacção com os pais e os amigos, a experiência motora da criança cresce em complexidade, tanto ao nível da locomoção como da manipulação de objectos.O pico do jogo de exercício verifica-se aos 4 ou 5 anos, a idade em que as crianças aperfeiçoam padrões motores como correr ou saltar, sugerindo que a ocorrência alegre destas actividades está relacionada com a mestria desenvolvida recentemente (McCune, 1998).

  Jogo de luta e perseguição: caracterizado por comportamentos vigorosos aparentemente agressivos como lutar, agarrar, cair. Este jogo social que implica a relação com o outro começa nos primeiros jogos de luta e perseguição com os pais e vai aumentando nos contactos com os amigos.
  O jogo de luta é observável em diferentes espécies, entre crianças em diferentes partes do Mundo, entre pais e filhos nos primeiros anos entre meninos, e mais raramente envolvendo meninas. É semelhante em diferentes espécies incluindo o homem: não se observam comportamentos de ameaça, os movimentos têm fraca intensidade e os intervenientes apresentam musculatura relaxada, os animais evitam morder e têm as unhas retraídas, não se verificam relações de dominância, trocando-se frequentemente de papéis.

  Aldis (1975) destaca as semelhanças do jogo em diversas espécies, sendo mais agressivo entre os machos (para defender o território, competir pelas fêmeas ou lutar contra predadores), que fazem grupos separados das fêmeas, em particular a partir do momento em que o seu jogo se torna demasiado agressivo. Nas crianças, os rapazes e as raparigas brincam juntos até cerca dos 6 anos, quando o jogo dos rapazes se torna progressivamente mais duro e as afasta.

  Sendo o contacto físico importante, o jogo de luta é uma forma de comunicação social entre crianças que ajuda a lidar com os sentimentos. Pelo facto de se tratar de "lutas a brincar", a criança é obrigada a assumir as regras e a evitar ultrapassar os limites (John-son et al., s/d).

  Pellegrini (2004) afirma que o jogo de luta é uma forma normal e boa de jogo para crianças, em especial os rapazes, e provavelmente a sua prática permite aprender a codificar e descodificar informação social:
  - A alternância de papéis permite a percepção de perspectivas diferentes.
  - As destrezas aprendidas e treinadas na infância são utilizadas noutras formas de interacção social recíproca, como nos jogos cooperativos durante a adolescência.

  A evolução equipou as crianças com predisposições para se envolverem em diferentes formas de jogo, sendo que a capacidade de aprender permite adaptar o comportamento a condições específicas do meio. As predisposições biológicas não se manifestam sem que as condições ambientais apropriadas estejam presentes para as activar. Por exemplo, o estilo de jogo masculino dos rapazes pode necessitar da presença de outros pares masculinos para ser activado (Maccoby, 2003). São os rapazes os principais envolvidos em jogos de luta, por razões hormonais (as hormonas masculinas actuam sobre o cérebro e o sistema nervoso e consequentemente sobre o comportamento) e sociais (a sociedade reforça os comportamentos mais vigorosos e agressivos dos rapazes).

  Para distinguir o jogo de luta da luta a sério têm sido utilizadas dimensões como comportamento, afectividade, consequências, papel, número de observadores, entre outras (Humphreys & Smith, 1987; Boulton, 1994; Smith & Boulton, 1990; Pellegrini, 1995, 2004; Smith, Cowie & Blades, 2003; Fry, 2005).   Também o riso e a expressão corporal parecem ser sinais importantes para distinguir as situações de jogo das de não-jogo, a mensagem auditiva e visual do riso e os movimentos de intensidade mais baixa e frouxos, com a locomoção lenta e exagerada, provocam o outro, que responde ao desafio do jogo.

  A maior parte das interacções entre as crianças, incluindo o jogo de luta e perseguição acontece entre crianças da mesma classe. As crianças escolhem os seus amigos para jogar às lutas e em especial os mais próximos em termos de força, porque:
  - não são actividades agressivas e dão-lhes prazer (Smith & Boulton, 1990; Smith, Cowie & Blades, 2003).
  - evitam interpretações erradas do seu comportamento e posterior envolvimento em lutas agressivas (Humphreys & Smith, 1987;Boulton & Smith, 1989; Pellegrini, 1995).
  - tentam controlar o risco de acidentes, acontecendo estes jogos normalmente em áreas espaçosas, amplas e de preferência com superfícies macias de relva ou areia (Humphreys & Smith, 1987; Boulton & Smith, 1989).

  Com uma bola, os rapazes jogam com os pés e as raparigas com as mãos. Também nos jogos de luta se observam diferenças de género: raramente as raparigas lutam no chão e a atitude das participantes é muito passiva, quase sempre fazem luta fragmentária (puxar, empurrar e abraçar). Nas raparigas é comum a chapada a brincar com a mão aberta, por vezes imitando o bater dos adultos.

  Bater a brincar é quase sempre um golpe de fraca força dirigido ao tronco. Por vezes é dirigido à face, mas a outra criança tem a guarda levantada e os golpes não a atingem.

  O pontapé a brincar é uma forma de ataque quase tão comum como bater com a mão. A força é inibida e raramente é dirigido à face, acontecendo principalmente no jogo em pé.

  As crianças mais pequenas batem de cima para baixo, enquanto as outras batem na horizontal, a partir do peito.
  A frequência dos diferentes tipos de luta depende das circunstâncias: Se as superfícies forem macias, ou o espaço for grande, ou se existirem poucos brinquedos, estimulam os rapazes para a realização de jogos de luta (Boulton & Smith, 1989). A supervisão também tem influência: em algumas escolas, os contactos físicos são proibidos e noutras os supervisores têm dificuldades na interpretação das regras (Humphreys & Smith, 1984). A existência de actividades organizadas no recreio reduz a frequência dos jogos de luta.

  Considerar que a luta a brincar é inofensiva deixa aos adultos uma série de problemas tais como:
  - Devem encorajar ou apenas tolerar?
  - Que jogos devem os pais realizar com os filhos?
  - Até onde se pode deixar ir?
  - Com as raparigas deve ser igual?

  Normalmente, nos jogos de luta e perseguição, e em particular nos jogos de luta entre crianças, não se verificam lutas a sério, embora para alguns adultos sejam comportamentos desaconselhados por "provocarem lutas a séri" (Aldis, 1975). Pellegrini (2004) identificou as situações em que alguns jogos de luta se transformam em agressões:
  - depois de lesões acidentais durante os jogos;
  - quando uma criança julga que está a ser agredida e responde de forma agressiva;
  - quando um dos envolvidos utiliza o jogo para agredir propositadamente.

  Para os professores do 1.º ciclo do ensino básico, muitos jogos de luta transformam-se em situações sérias, mas esta opinião é baseada nos poucos casos em que tal acontece (Schafer & Smith, 1996). Para a maioria das crianças, apenas 1% dos jogos de luta se transforma em luta a sério (Smith et al., 2003).


tabela 1 - dimensões que permitem distinguir jogo de luta de luta a sério (para visualizar melhor a tabela clique na mesma)

  Blatchford (1998) estudou filmes realizados durante o recreio a partir do tecto de uma escola, ficando claro para si que a compreensão das perspectivas dos participantes é necessária para que os acontecimentos tenham sentido. Também Pellegrini (2004) e Smith et al. (2004) destacam o questionamento dos participantes acerca do significado dos jogos de luta e perseguição e dos jogos de luta para perceber realmente os acontecimentos. A utilização do questionário e do vídeo, métodos já utilizados para recolha de informação junto de crianças e jovens, tem vantagens, mas também implica algumas dificuldades:
  Questionários – as crianças distinguem R&T (R&T do inglês rough and tumble, traduzido para português por Neto, que lhe atribui o significado de "jogo de luta e perseguição", semelhante a alguns dos nossos de apanhada.) e agressão, conseguem explicar a sua participação num e noutro tipo de situação, mas para isso têm de saber ler.

  Entrevista – se for individual, implica prevenção para as diferentes interpretações do acontecimento. Apenas a entrevista simultânea aos diferentes participantes permite compreender os comportamentos.

  Vídeos – excelente meio de recolha de informação, mas tem de ser usado em conjunto com a entrevista aos participantes, que frequentemente diferem na interpretação dos acontecimentos:

  Quando observam desconhecidos as crianças conseguem distinguir R&T de agressão e dar razões. No entanto, as crianças rejeitadas não o conseguem fazer da mesma forma, e nas interacções provocativas ambíguas (R&T) tendem a atribuir intenções agressivas.

  Quando se observam a si mesmas na interacção com os colegas, os participantes nos incidentes concordam entre si sobre o significado de grande parte dos acontecimentos, enquanto os não participantes e os professores concordam entre si mas as suas interpretações são significativamente diferentes das dos participantes. Para perceber efectivamente os acontecimentos as crianças envolvidas nos mesmos têm de discutir os vídeos em conjunto.

  Poderemos afirmar que "os participantes têm uma visão única da natureza e motivação do jogo de luta e das lutas a sério" (Smith et al., 2004), tendo em conta que as crianças têm um conhecimento pessoal vivido das suas acções.

  Na observação das crianças devem registar-se os gestos, a linguagem corporal e as expressões faciais, assim como o tom de voz e a força de expressão (Smith, 1998), porque todo o corpo em acção é fonte de informação. Tendo em conta que os comportamentos apenas são compreensíveis quando considerados num contexto, Pellegrini (1996) realça a importância de completar a descrição do comportamento com a explicação completa dos contextos físicos e sociais nos quais o comportamento acontece.

  Aldis (1975) afirma que "a melhor maneira de aprender sobre comportamento é sentar-se e observar", mas a observação naturalista do jogo de luta coloca dificuldades na tomada de decisões: as posturas são de curta duração, a troca de papéis é uma constante, é mais fácil observar as posições globais do corpo do que as partes. O vídeo torna-se a única forma de estudar a luta a brincar de forma a compreender a sua complexidade, tendo em conta que muito jogo acontece de forma tão rápida que apenas a observação do filme várias vezes, e em câmara lenta, permite uma melhor recolha de informação.

  Justificação e Objectivos do Estudo

  Considerando que:
  As crianças parecem conhecer as diferenças entre jogo de luta e luta a sério melhor do que os professores e outros adultos;
  As crianças agressivas parecem ter maiores dificuldades em distinguir jogo de luta de luta a sério;
  Os adultos não sabem ver as diferenças entre jogo de luta e luta a sério, interrompendo situações de jogo de luta que pensam ser a sério e deixando que lutas a sério se prolonguem por pensarem ser a brincar;

  Realizámos um estudo de observação de crianças em interacção no recreio com os objectivos:

  Caracterizar e distinguir jogo de luta de luta a sério com base nas informações das crianças envolvidas;

  Identificar os motivos e os momentos (actividades, locais) para jogo de luta e luta a sério;

  Identificar os momentos (actividades, locais) e os motivos que transformam jogos de luta em lutas a sério;Identificar características observáveis no comportamento das crianças (corpo em acção) que podem ser úteis para ajudar os observadores a tomar as decisões mais correctas;

  Caracterizar as crianças que se envolvem em jogos de lutas e em lutas a sério.

  Metodologia

  A amostra foi seleccionada através de questionários de nomeação de pares, tendo sido seleccionadas para o estudo 83 crianças de 1.º ciclo de acordo com as categorias: agressor, vítima, vítima agressiva, gestor de conflitos, afastamento, apoiante da vítima e observador.

  Cada criança foi observada com registo vídeo em continuum durante três tempos de recreio, em dias não consecutivos. Após a observação, as crianças observadas e os grupos com que tinham interagido foram chamados para observar os registos e discutir em conjunto os acontecimento observados. Estas conversas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas de modo a permitir análise de conteúdo. Desta forma, todos os episódios de contacto físico (pacífico ou agressivo) foram identificados com clareza e justificados pelos intervenientes.

  Apresentação e Discussão dos resultados

  Ao longo das observações foram registados 127 incidentes de jogo de luta e de 100 de luta a sério. Além disso, foram registados 19 episódios de jogo de luta que se transformaram ou passaram por luta a sério. A maior parte dos episódios de jogo de luta verificaram-se durante os jogos de futebol (43,9%), de apanhada (13,3%) ou mistos de luta e perseguição (16,2%). Quanto às situações de luta a sério, verificaram-se essencialmente nos jogos de futebol (64%).
  Os participantes justificaram as situações observadas. Verificámos que os jogos de luta aconteceram essencialmente por brincadeira (93,7%), não sendo necessária qualquer justificação adicional. Nas lutas a sério, os episódios foram justificados como reacção a ofensas físicas (30%), mas também como a vontade/necessidade de provocar ou chatear o outro (23%). Em alguns episódios a luta esteve relacionada com a disputa da bola (16%) ou a necessidade de ajudar um amigo (13%).

  Justificações para a participação ou não em jogos de luta

  As crianças participantes deram algumas explicações acerca da participação ou não jogos de luta. De acordo com alguns meninos de 2.º ano (7 e 8 anos), estes jogos muito úteis:
  T: Porque corremos muito.
  M1: É para suar muito.
  D: É para fazer ginástica.
  B: Para sermos homens.
  M2: Para ser fortes.
  F: Somos homens e somos fortes.
  T: Para sermos valentes.
  M1: Para sermos muito altos.
  M2: Para treinar a força.


  Os meninos associam os jogos de luta a força, masculinidade e valentia. Já as meninas de 2.º ano (7 e 8 anos), que não se envolvem nestes jogos ou o fazem muito esporadicamente, encontram explicações para as necessidades dos meninos e explicam o seu não envolvimento:
  L: As meninas são mais sossegadinhas.
  Ca: As meninas são mais "fitnesses" e aleijam-se mais.
  Cl: Porque os meninos brincam às lutas e as meninas não brincam.
  C: Porque se aleijam muitas vezes.
  S: Porque os homens são mais fortes e podem aleijar mais as meninas.
  AS: Eu não brinco para não me aleijar.
  S1: Os rapazes têm músculos.
  L: Às vezes os amigos convidam os outros para brincar às lutas.

  Os dados de observação

  A observação repetida dos vídeos permitiu-nos identificar outras características comuns, e observáveis com relativa facilidade, dos jogos de luta e das lutas a sério:

  Os incidentes podem acontecer no plano vertical, em que os envolvidos estão de pé, mas também podem acontecer no chão ou em diferentes planos. A esta categoria chamámos planos de acção e considerámos as subcategorias: de pé, de pé e no chão e ainda a alternância de planos;

  Durante os incidentes, os participantes podem utilizar diferentes partes do corpo, desde a cabeça aos pés, de forma isolada ou em conjunto; nunca observámos a utilização da cabeça como arma. Chamámos a esta categoria partes do corpo e considerámos as subcategorias: mãos, pés, tronco e mãos, mãos e pés e ainda tronco, mãos e pés;

  Os participantes podem realizar os contactos físicos a diferentes distâncias uns dos outros. Tendo em conta Hall (1971), chamámos a esta categoria distância de contacto e considerámos as subcategorias: física (distância do abraço), próxima (distância dos membros), física e próxima, física-próxima e distante (contacto visual próximo).

  Cada episódio foi analisado tendo em conta as categorias e subcategorias definidas, o que nos permitiu verificar a existência de diferenças observáveis em situação real (no momento) sem necessidade de equipamentos sofisticados.

  Planos de acção

  Em relação aos planos de acção verificámos comportamentos diferentes durante os jogos de luta e durante as lutas a sério. Nos jogos de luta as crianças passaram do plano vertical (de pé) para o plano horizontal (no chão), subiram e desceram como se fosse o mais desejado, arrastando na queda os seus colegas de brincadeira; sem se incomodarem com a sua integridade física, frequentemente voltaram à luta de pé para de seguida se lançarem de novo para o chão. Nas lutas a sério, as crianças evitaram cair ou ser atiradas ao solo, procuraram manter posturas equilibradas que lhes permitissem atacar e defender-se sem o risco de cair e ficar presas debaixo do seu opositor. Também nos jogos que se transformaram em lutas a sério os envolvidos mantiveram-se de pé na maior parte dos episódios.

  Partes do Corpo   As partes do corpo que as crianças utilizam parecem estar relacionadas com margens de segurança. Ao utilizarem apenas as mãos ou as mãos e os pés nas situações de luta a sério, evitaram ficar presos aos adversários, mantendo assim as suas hipóteses de reacção mais elevadas. Já nos jogos de luta as crianças pareceram não se importar com as consequências dos acontecimentos e por isso não tiveram problemas em utilizar o seu peso nos episódios, provocando quedas e situações de grande proximidade entre eles.

  Distância de Contacto

  Em relação à distância de contacto verificámos também a existência de diferenças entre jogos de luta e lutas a sério. Enquanto nos primeiros as crianças se colaram umas às outras, abraçando para usar toda a sua força para provocar quedas mais ou menos controladas aos colegas de brincadeira, nas lutas a sério as crianças evitaram colar-se umas às outras durante o conflito; algumas procuraram afastar-se e evitaram ficar presas ao seu adversário.

  Diferenças entre Jogos e Lutas

  Verificámos ainda algumas diferenças entre os jogos de luta de meninas e meninos, assim como entre crianças de diferentes níveis etários. Os meninos e as crianças mais pequenas procuraram mais o chão com alternância de planos; em relação às partes do corpo utilizadas, verificámos que as meninas e as crianças mais velhas utilizaram mais as mãos ou as mãos e o tronco, enquanto os meninos e as crianças mais novas utilizaram todo o corpo.

  Conclusões

  Podemos afirmar que existem formas de identificar jogo de luta e luta a sério no momento em que os incidentes acontecem, tendo em conta que algumas características são observáveis e distinguíveis. Verificámos que nos jogos de luta as crianças agarraram-se mutuamente, puxaram-se para o solo usando todo o seu corpo e eliminaram as distâncias entre si, sem medo de caírem ou de ficarem debaixo do outro, enquanto nas lutas a sério as crianças evitaram aproximar-se demasiado do outro, evitaram agarrar-se e ir para o chão. Aparentemente, nas lutas a sério as crianças assumem que existem riscos e procuram evitá-los mantendo as distâncias e posturas equilibradas, e não arriscam cair e ficar presas debaixo dos outros, o que poderia provocar lesões.   Reconhecendo as diferenças, torna-se mais fácil a educadores, professores e outros adultos decidir com maior certeza e segurança se determinado incidente é um jogo que se pode deixar continuar, ou se, por outro lado, se trata de uma luta a sério que implica a sua intervenção no sentido de pará-la e evitar que as crianças se magoem.

  Este estudo não nos permite afirmar que são apenas estas as categorias a observar para identificar e distinguir jogo de luta de luta a sério. Provavelmente, o estudo deveria ser replicado com amostras maiores e/ou em diferentes níveis de escolaridade, particularmente os níveis pré-escolar e 2.º ciclo, de modo a percebermos se as categorias identificadas ajudam a tomar decisões noutros níveis etários.

in
Cadernos de Educação de Infância nº 90 - Agosto 2010
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