São horas.
Simão faz uma careta. Enfia o pijama, desgrenha os cabelos, bebe um bom copo de leite. E vai lavar cuidadosamente os dentes. Depois, sobe as escadas, dá umas palmadinhas na almofada, levanta os cobertores e mergulha na cama.
É então que Simão grita:
— PAAAIII !!
É assim todas as noites! E todas as noites, o pai de Simão sobe as escadas, instala-se ao lado do filho e prepara-se para fazer adormecer o mundo inteiro. Sem isso, Simão recusa-se a fechar os olhos.
O pai de Simão começa pela África. Levanta um pouco os cobertores, estende as mãos enormes, pousa-as nos pés do filho e pronuncia a fórmula mágica que faz adormecer selvas e savanas.
E Simão vê. Leões enormes sacodem a juba lançando rugidos dilacerantes. Os embondeiros estremecem. E então, surgem leões, elefantes, zebras, rinocerontes, girafas, gazelas, panteras… Todos os animais grandes e pequenos de todas as selvas tropicais correm à luz da lua e mergulham nos seus refúgios, antros, tocas. Fogem a abrigar-se nos braços da noite.
— Pronto! — diz o pai de Simão. — A África já dorme.
Simão boceja um pouco, enquanto espera pela continuação.
Então o pai ergue um pouco mais os cobertores, estende as mãos, pousa-as nos joelhos do filho e lança a fórmula mágica que faz adormecer os mares. Começa lá longe, nas Antilhas.
E Simão vê. As baleias sacodem-se. O mar fica agitado. E então, peixes voadores, delfins, raias gigantes, peixes-lua, tartarugas e sereias iniciam um último passo de dança, uma ode às estrelas, antes de deslizarem para os recônditos fundos do mar.
— Pronto, já está! — diz o pai de Simão. — Os mares já dormem.
Simão pestaneja, enquanto espera pelo que vem a seguir.
Então, o pai de Simão ergue de novo os cobertores, estende as grandes mãos, pousa-as na barriga do filho e lança a fórmula mágica que faz adormecer os desertos brancos, as tundras geladas e todos os países do frio. Começa pela ilha de Ellesmere por ter um nome muito lindo.
E Simão vê. Um milhão de renas levantam os chifres. Os lobos brancos erguem as orelhas. As focas aspiram mais uma vez o ar gelado. As ursas reúnem os seus filhotes. E as raposas pulam na neve em caramelo. O grande véu da noite envolve os países do sol da meia-noite.
— Pronto, meu rapaz, já está! — diz o pai de Simão. — O Árctico adormeceu.
Simão espreguiça-se um pouco, enquanto espera. Então, o pai levanta mais uma vez os cobertores, estende as grandes mãos, pousa-as nos ombros do filho e lança a fórmula mágica que faz adormecer os céus. Começa algures na América.
E Simão vê. Um bando de abetardas varre o firmamento. Logo atrás, patos bravos e cercetas. E outras aves de grandes asas levantam voo. A águia traça o seu último círculo. Os albatrozes lançam o seu mais belo grito. O pelicano deposita algumas provisões em goelas esfomeadas.
E depois, de repente, mais nada! O céu fica deserto. Todos os pássaros do mundo dormitam com a cabeça debaixo da asa.
— Pronto, meu rapaz! — diz o pai de Simão. — Todo o céu está a dormir.
Simão suspira e fecha os olhos. O pai levanta-se para ir embora. Mas no último instante, Simão grita:
— Não! Ainda não acabaste.
O pai sorri. O filho tem razão. Ainda falta um grande país.
Então, o pai levanta de novo os cobertores, estende outra vez as suas grandes mãos, pousa-as suavemente na cabeça do filho e lança a fórmula mágica que faz adormecer os feiticeiros e despertar as fadas.
E Simão vê. Todos os monstros e dragões do universo, todas as criaturas que envenenam a noite desaparecem, como por magia. Os duendes saltam de entre os rochedos, as fadas sacodem as suas longas cabeleiras douradas, os magos espalham os pós das estrelas e da aurora boreal. As divindades maravilhosas revezam-se. Enquanto as fadas vigiam, nada de mau pode acontecer.
— Pronto, meu rapaz! — diz o pai de Simão. — Agora já não podes ter medo de nada.
Simão não se mexe. Já dorme.
Então, o pai sorri. O filho tem razão. São horas de ir para a cama.
É assim todas as noites!
Dominique Demers
Tous les soirs du monde
Paris, Gallimard Jeunesse, 2005
(Tradução e adaptação)