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— Depende — pensava Adalgisa com os seus botões. — Podem ser isso tudo e muito mais!
  
Ela era uma especialista em mentiras, das quais possuía uma colecção interminável.
  
Eram tantas e tantas as suas mentiras que já não sabia onde havia de as guardar.
  
No começo, ela escondia-as apenas no seu quarto: debaixo do tapete, no fundo do guarda--vestidos, atrás do aquecedor... 
  
No fundo do armário, então, tinha uma prateleira repleta de frascos cheios de mentiras.
  
Mas rapidamente as mentiras encheram o quarto, começando então a saltar para fora, espalhando-se pelos lugares mais impensáveis da casa. 
  
Logo que uma saltava para fora, Adalgisa apressava-se a tapá-la com outra ainda mais gorda.
  
Quando as mentiras começaram a sair, ela até as achava divertidas, e por isso tentou torná-las suas amigas, mas bem depressa teve de dar o dito por não dito... Não se pode confiar em mentiras!
  
O problema é que as mentiras não desaparecem logo, quando é preciso, permanecendo ali, à espera do melhor momento para saltarem para fora e causarem uma desgraça! Eis a razão por que a vida de Adalgisa se estava a tornar numa verdadeira tragédia, em vez de ser uma comédia. Ela passava o tempo a vigiar e a prender todas as suas mentiras, e para isso via-se obrigada a criar novas mentiras: um círculo sem fim...
  
— Adalgisa, já lavaste os dentes? — perguntava a mamã, e ela respondia: 
  
— Já, mamã. E também lavei as mãos.
 
  
POF!
  
Mal acabara de falar, eis que a mentira saltava para o ombro da mamã e, a rir-se, soprava-lhe à orelha toda a verdade.
  
— Sabes, Luísa — contava Adalgisa, cheia de gozo, à sua amiga — que o meu avô tinha uma vaca chamada Celeste e que sabia falar?
  
Os dois juntos chegaram a actuar nos teatros mais famosos do mundo! O meu avô era um actor famosíssimo!
 
  
POF!
  
Aí vinha outra...
  
A verdade é que Adalgisa contava as mentiras tão bem e com tanta certeza e segurança que, com o correr do tempo, até ela se convencia que aquilo que dizia era mesmo verdade. Adalgisa andava, pois, carregada de mentiras, que lhe saíam de toda a parte do corpo.
  
Trazia-as nos bolsos, no meio dos cabelos, nos sapatos, agarradas aos folhos do vestido...
  
     E as mentiras eram verdadeiramente descaradas e arreliadoras. Sucedia, por vezes, que, durante uma aula, uma das mentiras se punha a fazer-lhe cócegas e, quando a professora exigia explicações, Adalgisa contava mais uma mentira, que juntava à sua colecção.
  
Aquele dia começara como tantos outros. Ninguém poderia adivinhar o que dali a pouco iria acontecer. 
  
A Senhora Gina, amiga da avó, quis saber:
  
— Adalgisa, é verdade que tu dizes mentiras?
  
E ela respondeu candidamente: 
  
— Nunca disse uma mentira em toda a minha vida. Palavra de honra!
  
Não acabara ainda de pronunciar a última palavra quando uma enorme, horrenda, nojenta mentira aparece na sala.
  
Ao vê-la, Adalgisa ficou de tal modo apavorada que desatou a gritar. A mentira era tão assustadoramente grande que quase ocupava toda a sala. E Adalgisa sentia-se deveras pequena, pequenina. Desta vez, fizera uma grande asneira! Dissera uma tal mentira que nunca ninguém vira nada assim, ou antes, ninguém havia jamais imaginado coisa igual! 
  
A avó e a amiga pareciam feitas de pedra. Imobilizadas no sofá, sentadas, olhavam, de boca aberta, para aquela "coisa". 
  
A enorme mentira começou a mover-se pela sala. Babando-se e sujando tudo, mexia e partia cada coisa que ficava ao seu alcance. Depois, aproximou-se de Adalgisa, com ar ameaçador: o soalho tremia, a avó e a amiga também.
  
Adalgisa não sabia o que havia de fazer.
  
Ela abraçou com muita força o seu macaquinho de pelúcia, o Tricky, em busca de protecção. A mentira inclinou-se sobre ela. Algumas gotas de baba malcheirosa caíram no tapete. A sombra fixou Adalgisa nos olhos, rindo horrendamente, e, depois, agarrou Tricky, pronta a desfazê-lo em mil bocadinhos...
 
  
— NÃÃOOOOOO!!! — gritou Adalgisa — Não direi mais mentiras, prometo! — e agora era mesmo uma promessa de verdade.
  
Imediatamente sentiu-se um estrondo medonho e a sala encheu-se de fumo e um cheiro nauseabundo. Da enorme mentira só restavam algumas gotas de baba nojenta sobre o tapete.
  
Logo a seguir, por entre milhares de estranhos grunhidos, todas as outras mentiras começaram a correr doidamente, até que, contorcendo-se, explodiram com um POF igual àquele que se ouvia quando apareciam. 
  
— Avó, diz-se que as mentiras têm as pernas curtas, mas viste como estas mentiras corriam a bom correr? 
  
Avó e neta abraçaram-se, rindo, muito felizes.
Rosy Gadda Conti
A mentira tem perna curta
Maia, Edições Nova Gaia, 2003
Texto adaptado