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"Antigamente jogava-se assim" - À Descoberta do Património – Os Jogos Tradicionais (Parte I)
Fevereiro, 2003
Teresa dos Reis Moreira, Professora 1º Ciclo do Ensino Básico.

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O reconhecimento e valorização do património natural, histórico e cultural português é um dos objectivos gerais do 1º Ciclo do Ensino Básico, estando presente ao longo dos quatro anos de escolaridade.
Ao determo-nos sobre o passado, surge-nos este património que reflecte a cultura de uma determinada comunidade.
Este trabalho centra-se sobre o património popular, os jogos tradicionais. Estes levam-nos a procurar no passado, as origens do presente, pois entender um povo é entender a sua própria cultura.
A vida construiu-se com as raízes no passado e os olhos postos no futuro. A escola desempenha hoje um papel determinante na construção de novas mentalidades, mais abertas, mais dialogantes, imprimindo dinamismo através da acção, na construção de novos saberes.
Só apetrechando os alunos com instrumentos que lhes permitam olhar a cultura de frente, que os façam entender que viver é também agir e que o futuro passa inevitavelmente por essa nova maneira de estar na vida, conseguiremos manter a nossa identidade.
Destes tempos de desafio e de mudança, a escola não pode assumir-se como único meio de formação das crianças e jovens. Ela tem que procurar estabelecer interacções com o meio envolvente, começando pelos pais e familiares. Isto facilitará a aproximação entre todos os agentes educativos, valorizando os seus saberes, estimulando a partilha das experiências de vida de cada um.
Neste trabalho, tentou-se produzir um estudo teórico e prático sobre a ocupação dos tempos livres das gerações passadas de Canelas – Vila Nova de Gaia. Como diz F. Barbosa da Costa, "o trabalho preenchia o tempo das pessoas, mesmo das mais novas, pois as tarefas da agricultura, actividade profissional dominante, era por todos distribuída, de acordo com as suas capacidades físicas e desenvolvimento pessoal". O pouco tempo livre disponível juntava-se a uma migalha de descontracção que o intervalo das tarefas diárias proporcionava. Citando ainda F. Barbosa da Costa, podemos observar que "há séculos que, com ajustes e evoluções, os jogos foram permanecendo, nos séculos seguintes, vendo-se a sua marca na actualidade".
Sendo assim, relembramos o património popular, como o revitalizar e conservar.
Tentamos dar a conhecer a nossa realidade, uma vez que a escola é considerada um dos principais factores de desenvolvimento local e pode e deve articular com o meio que a envolve. A sua implicação neste trabalho fê-la ficar mais atenta à realidade local, conhecer "por dentro" situações que antes lhe eram quase indiferentes, manter "vivos" relacionamentos que quase já só pertenciam na memória de algumas pessoas.
Para além de concluirmos da necessidade de trabalhar os Jogos Tradicionais pelas razões já apontadas, há também uma apetência pessoal por este tipo de actividades, fazendo delas prática habitual, há já vários anos.
Pensamos que através delas, as crianças se sentem mais confiantes, se sentem rodeadas de coisas e pessoas agradáveis, que as ajudam a construir o seu espaço afectivo. Começam desde cedo (no 1º ano de escolaridade) a relacionar-se com os companheiros, a partilhar experiências, a começar novas aprendizagens das áreas curriculares.
Com base na metodologia da investigação-acção, que pretende uma permanente dinâmica entre a teoria e a prática, partimos, numa primeira fase, para uma fundamentação teórica sobre o conceito de Jogo e sobre a especificidade dos Jogos Tradicionais, enquanto parte do Património Cultural de uma comunidade.
Posteriormente, tentamos obter um conhecimento acerca do meio, no que diz respeito ao conhecimento existente acerca dos Jogos Tradicionais locais. Nesse sentido, administramos inquéritos a elementos da comunidade (familiares de alunos), recolhemos informação bibliográfica e efectuámos contactos junto de elementos significativos da comunidade, o que nos ajudou a fundamentar o projecto.
Em seguida, definimos os objectivos gerais do projecto, que têm como questão de base a revitalização dos Jogos Tradicionais junto da escola e da comunidade.
Na fase seguinte, efectuamos a planificação das actividades, que constitui a parte mais "activa" deste trabalho.
A avaliação foi prevista para vários momentos do projecto, dada a necessidade de ir adequando as estratégias aos objectivos propostos.

Cada indivíduo sente, hoje em dia, a angústia da procura de uma identidade pessoal, do aspecto único e irrepetível da sua liberdade, cada vez mais restringido por comportamentos e normas de massa. Interroga-se assim sobre si próprio, na busca das raízes que o justifiquem e o liguem a algum processo integrador – Quem sou? De onde venho? (M. C. Roldão, 1993).
Não é certamente por acaso que se verifica actualmente um interesse acrescentado pela História nas suas formas diferentes de divulgação. Parece-nos que este interesse reforçado pelo passado histórico é um sintoma significativo de busca de alternativas à sociedade massificadora e cada vez mais impessoal em que vivemos e também à procura de referências do imaginário e do simbólico que permitam escapar a um universo mental excessivamente racionalizador. (M. C. Roldão, 1993).
Para procurar escapar a esse universo mental excessivamente racionalizado que parece apanharmos a todos, a estes hábitos de sedentarização a que cada vez mais estamos expostos, neste período em que a sociedade se torna cada vez mais individualista, caberá à escola tentar inverter esta situação, tentando incentivar cada vez mais o diálogo e o gosto por actividades de grupo. Não rejeitando a evolução, torna-se fundamental não esquecer o passado, por isso envolvemo-nos na pesquisa e descoberta do Património Cultural, nomeadamente nos Jogos Tradicionais locais.
De acordo com a Lei de Base do Património Cultural Português, no seu artigo 1º, este é "constituído por todos os bens materiais e imateriais que, pelo seu reconhecido valor próprio, devem ser considerados como de interesse relevante para a permanência e identidade da cultura portuguesa através do tempo." Caberá ao Estado "apoiar a revitalização e conservação das tradições culturais em vias de desenvolvimento"
Esta Lei de Base reforça ainda que "a protecção, conservação, valorização e revitalização do património cultural deverão ser consideradas obrigatórias no ordenamento do território e na planificação a nível nacional, regional e local."
É também através da leitura de um dos objectivos gerais do programa do 1º Ciclo do Ensino Básico - "reconhecimento e valorização do património natural, histórico e cultural português" - que podemos concluir como é importante o estudo "das raízes de um povo". Povo esse que não poderá entender-se a si mesmo e perde a sua identidade, se não assumir conscientemente o seu passado, a sua História (F. B. Costa, 1997).
Foi ao abordarmos o passado de Canelas que nos fixamos nas tradições, no interesse que o jogo tradicional despertou ao longo de todos os tempos, contribuindo "para estabelecer no ânimo das crianças um clima de boa disposição e alegria de viver" (C. Valle, 1964).

O jogo / Os jogos tradicionais

"O homem não é completo senão quando joga"
J. Chateau, 1975

O jogo tem razão de ser e utilidade tanto para a criança como para os adultos.
O trabalho responde a uma necessidade que lhe é exterior e se realiza com vista a um fim mais ou menos longínquo, muitas vezes dificilmente apreendido pela inteligência da criança. O jogo, pelo contrário, satisfaz uma necessidade imediata e encontra satisfação em si mesmo.
Reconhecer a utilidade e a necessidade do jogo não significa que se considere desnecessário ensinar a criança a trabalhar, isto é, submeter-se a uma disciplina que exige esforço e não traz satisfação imediata. Não é possível nem desejável fazer do trabalho jogo e é bom que a criança sinta desde cedo esta distinção fundamental.
O jogo da criança consiste a maior parte das vezes em relaxamento, ocupação dos tempos livres, variação de actividade.
Como relembra P. Galimard (1972, em M. L. Leitão e outros, 1993), Piaget distingue três grandes tipos de jogos infantis: os jogos de exercício, os jogos simbólicos e os jogos de regras.
O jogo de exercício consiste em exercer por prazer todas as faculdades adquiridas no domínio das motricidades e dos sentidos e também no plano da inteligência. Por exemplo, atirar, correr, saltar, gritar. Estes jogos de exercício têm geralmente a sua época e, depois de proporcionarem uma certa saciedade, são abandonados para dar lugar a novas conquistas.
O jogo simbólico é o jogo mais típico da criança. Brincar às bonecas, aos soldados, mascarar-se, fazer de conta que, são as modalidades mais frequentes deste jogo, que não necessita de brinquedos aperfeiçoados para ganhar vida. À medida que cresce, a criança vai-se tornando mais exigente e mais rigorosa na reprodução e na imitação da realidade pelo jogo. As coisas vão pouco a pouco deixando de poder representar seja o que for; o simbolismo aproxima--se o mais possível do real e socializa-se em jogos progressivamente colectivos. Este tipo de jogo perde a importância e utilidade, na medida em que a realidade pode ser apreendida pela inteligência, agora racionalizada, sem ser forçosamente revivida afectivamente. Há uma evolução de situações particulares para situações mais gerais, que permite à criança fazer a experiência do jogo colectivo e submeter-se a regras livremente combinadas ou aceites de comum acordo.
No jogo de regras, as crianças não obedecem a um chefe mas à lei recebida: a regra. Jogar ao agarra é uma das formas mais elementares dos jogos de regras preferidos pelas crianças, devido à simplicidade do seu regulamento, à utilização de um exercício elementar, a corrida, e a uma competição que põe em jogo a destreza e a combatividade.
É a regra que faz a coesão dos grupos, que só existem em função de um fim muito preciso: o jogo em questão, e se separam logo que ele acaba. Temos aqui também uma das formas de adaptação progressiva da criança à vida em sociedade. A submissão democrática a uma regra comum e não a um indivíduo, são já formas evoluídas da vida social.
Pensamos que é neste tipo de jogos, os jogos de regras, que se inserem os Jogos Tradicionais, que tal como refere C. Valle (1965) têm um incalculável valor etnográfico, ou seja, um valor para o estudo dos povos, suas origens e costumes.
As crianças, nos seus momentos de diversão, precisam de conviver e comunicar umas às outras as suas emoções e reacções. E nada melhor para as interessar num ambiente de educação e de resultados positivos do que a prática dos Jogos Tradicionais, em competição (C. Valle, 1967).
De acordo com C. Silva e M. Morais (1967), e C. Valle (1966), os Jogos Tradicionais encerram em si aspectos positivos, importantes de destacar:
• Os jogos tradicionais são quase sempre de inspiração popular;
• As regras dos jogos são normalmente simples;
• Cada jogo corresponde a uma actividade livre e voluntária;
• As regras são cumpridas apesar de não constarem em nenhum estatuto ou regulamento;
• Existe obediência a tais regras e respeito pelo próximo, tido como um companheiro e não como um inimigo;
• As regras fixas, livremente consentidas, definem uma igualdade de condições entre os jogadores;
• Todos partem com as mesmas possibilidades de vencer o jogo;
• Faz-se o jogo pelo jogo, com prazer.
Estas regras favorecem uma actividade livre: há igualdade nos deveres (as regras) mas há também uma liberdade na acção. A obrigação de cumprir as regras implica correcção e lealdade, respeito pelo adversário, saber ganhar ou perder.
De facto, o jogo conduz a uma adaptação social, actuando como um exercício de funções necessárias e úteis para a vida. Assim, acreditámos que os jogos tradicionais possam desempenhar um papel positivo na vida das crianças e considerámos importante a sua revitalização.
Salientamos alguns jogos, já que foram aqueles que, no decorrer da implementação das actividades do projecto, mais interesse e prazer despertaram nos alunos: pião, saco, macaca, corda e arco.
(continua)
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